quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Dia 46

Não gosto muito de “mato”. Nem mesmo a Anna. Mas infelizmente tivemos de escolher uma chácara para fugir dos mortos-vivos. Pergunto-me para onde devem ter ido os outros sobreviventes em todo o mundo. Trancados em uma casa qualquer, correndo o risco de ser cercado? Em uma fazenda? Em alguma instalação do governo?

Estou com um lampião aceso. Aqui não tem energia elétrica. Não sei se há em outros lugares com luz. Recebi notícias de Júlio Sardinha, outro sobrevivente que mantém contato, além do Cedric. Espero que possam me dizer que há eletricidade por onde estiverem.

Hoje, durante toda a tarde, eu e Anna fizemos amor. Fizemos sexo. Não sei bem o que é. Mas depois, conversamos sobre os carnívoros lá de fora. Não adianta, eles não saem de nossas cabeças, mesmo quando passam um tempo sem dar as caras.

Ficamos nos perguntando até quando isso pode durar. Se o mundo está realmente infestado de zumbis, algum dia ficaremos livres deles? Um morto-vivo pode morrer de fome? Se a fome por carne é assim tão atroz, hão de sentir falta quando todos já tiverem sido comidos. Torço para que algo assim aconteça. Um corpo precisa de água, comida, energia. Mas e com um zumbi, será que é assim?

Se esses monstros são apenas um acaso, de um supervírus da raiva ou algo parecido, eles hão de cair novamente. Se forem fruto de um arremedo de apocalipse, ou algo parecido, então é mesmo o fim da pior raça que já surgiu nesse planeta. Fico até imaginando se não é melhor assim.

Seria tudo isso uma vingança da natureza? Uma pré-aniquilação da raça para futura invasão alienígena? “Limpamos o terreno e depois entramos?” Desculpem-me, mas dias e dias sozinho me dão o direito de divagar. Divagar, não, ficar doido mesmo. Ninguém vai conseguir responder sobre tudo isso mesmo, então, a questão “mortos-vivos” entra para o hall de perguntas que nunca serão respondidas, como, por exemplo, “de onde viemos” e “para onde vamos”. No caso deles é “de onde eles vieram...”

domingo, 26 de dezembro de 2010

Dias 39 a 45

Um natal com os mortos-vivos. Jamais pensei que diria essa frase.

Não me lembro se contei para onde estávamos indo. Fato é que fiquei dias sem comentar nada aqui. Não sei se por falta de esperança (muitos dos que estavam me acompanhando desapareceram. Não sei se estão vivos. Apenas o Cedric se manifestou recentemente) ou por todo o trabalho que tive aqui na chácara. Sim, eu e Anna acabamos em uma chácara, longe da cidade.

Já chegamos aqui sem energia. Não sabemos se é a região ou se as cidades estão começando a ficar às escuras. Aposto mais na segunda alternativa. Por sorte, a chácara que escolhemos (a de um amigo, no caminho de Brazlândia – o nome é esse, por mais engraçado que seja) tem um vasto estoque de velas e lampiões. As áreas rurais sofrem com a falta de energia nas chuvas e com as queimadas das secas.


Antes de comentar sobre o Natal que tivemos, vem a parte chata. Tivemos de matar sete mortos-vivos que estavam perambulando pelas terras, quando chegamos. Acho que pelo menos uns quatro trabalhavam aqui. Já era fim de tarde e foi apavorante ter de lutar contra aquelas coisas na penumbra. Quando o sol se põe e não há postes de iluminação, o gorgolejo dos zumbis é mais aterrorizante. E por incrível que pareça, todo o corpo parece escuro, menos os olhos. Dois círculos brancos e horrorosos em meio à escuridão.

A chácara é linda, cheia de jardins, mas um pouco descuidada por causa do tempo. São duas casas, uma que era da família e outra de apoio. As duas fotos foram tiradas por Anna (uma do caminho até aqui – quando atropelamos apenas um morto-vivo e verificamos a eficácia dos ferros soldados ao carro – e outra da chácara).


O Natal foi o mais triste que já passamos até hoje. Estivemos longe das pessoas que amamos e, à luz de velas (para poupar a querosene do lampião), comemos comidas enlatadas. Nada de ceia, peru, pernil, passas...

Também passamos a virada ouvindo mais dois zumbis lá fora. Decidimos que não os mataríamos nos dias 24 e 25. Não nesses dias.

Anna foi dormir e estou acordado. Fico pensando se ainda há alguém lá fora. Se há um porto seguro, alguma instalação do governo para refugiados (em filme isso funciona – na vida real eu duvido).

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Dia 38

Nossa saída do shopping foi um tanto quanto assustadora. Resolvemos sair à noite, pois acreditamos que tem sempre menos movimento – embora tenhamos observados que os mortos-vivos não dormem ou descansam (eles podem te seguir por dias, sem parar).

A febre de Anna baixou, mas a cabeça deve ter ficado quente quando saímos. Dentro do shopping não havia quase nenhum zumbi, mas do lado de fora havia vários. Tive de atropelar um bocado deles e isso fez a gente mudar de planos. Ante de nosso próximo destino, resolvemos passar no setor de oficinas de Taguatinga (aqui em Brasília, para quem não conhece, tem setor para tudo, até para motéis).

Lá, fui até a oficina de um amigo de meu pai, o Marcinho (modo de dizer, pois ele tinha uma pança enorme). Foi ele quem me ensinou, no “olhometro”, como se faz soldas grandes. O setor estava meio vazio (de mortos-vivos), então não tivemos problemas em entrar na garagem e fechar a porta. Minha intenção? Soldar todas as barras de ferro possíveis na frente do carro, nas janelas e na frente do para-brisa. Sem isso, atropelar mais alguns carnívoros vai ser problema. Uma hora acaba prejudicando o motor e vai nos deixar na mão.

O trabalho, para quem fez sua primeira solda, ficou ótimo. Feio, mas prático. Eles podem nos cercar e até quebrar os vidros, mas não vão conseguir entrar. O problema é que quase no fim do trabalho fui surpreendido por algo que não esperava. Descendo as escadas de cimento, no fundo da loja (que leva a um segundo andar sem janelas), apareceu Marcinho. Hesitei por alguns segundos, mesmo vendo que seu macacão estava enegrecido de sangue seco e que sua pele estava quase cinza. Não sei se foi impressão, mas ele também pareceu hesitar quando me viu agachado próximo ao para-choque. Como se me reconhecesse.

Mas isso, se realmente aconteceu, durou três segundos. Depois, ele correu como pôde em minha direção, escancarando a boca, ávido por carne, por sangue. Anna se encolheu no canto e esperou que eu tomasse a devida atitude. O que não aconteceu de imediato. Marcinho se jogou em cima de mim com todo o seu peso e chegou a aproximar sua boca putrefata do meu pescoço. E tive muito trabalho para empurrá-lo para longe.

O tiro que dei na cabeça de Marcinho doeu em mim. De verdade. Foi a primeira vez que tive de atirar em alguém conhecido. Talvez por isso não tenha ido procurar parentes. Posso imaginar quantos hesitaram e morreram. Ver o corpo de um amigo, mesmo que distante, tombar na minha frente após um tiro foi penoso. Minha mão tremeu por alguns minutos e não sei o que aconteceria se tivéssemos que enfrentar mais alguns deles naquele instante. Sorte que Anna pegou uma das armas e fez uma “varredura” no andar de cima (tinha me esquecido que a oficina tinha um andar só para peças e bagulhos).

Estamos indo para uma chácara. Não sei o que encontraremos lá, mas me deu na telha que, longe da cidade, podemos estar mais seguros. E por todo o caminho fiquei pensando em Marcinho. E na escada. Se ele subiu e desceu aquilo lá, fico me perguntando o que esses mortos-vivos, antes tão burros, podem fazer...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dia 37

Anna está com febre. Tenho de acreditar que continua sendo a péssima alimentação que nós tivemos nos últimos dias. Não quero perguntar a ela se foi mordida ou arranhada. Tive todo seu corpo nu para ver, mas rastros de mortos-vivos foram as últimas coisas que procurei.

Decidi que não vamos mais ficar aqui. Não depois daquele zumbi, que ficou nos observando. E se algo lá no fundo dos cérebros dessas coisas ainda existir rastros de humanidade? E se, num sábado, eles decidirem se direcionar para cá, como costumavam fazer? Shoppings já eram o próprio inferno nos fins de semana quando todos estavam vivos. Imagine agora, com os mortos.

Vou pedir a Anna que arrume tudo – inclusive toda a comida que conseguimos salvar em meio a tanta coisa estragada. Estamos de saída.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dias 35 e 36

Não pude escrever no último dia. Anna esteve febril e ficou deitada o tempo inteiro. É a primeira vez que acontece isso e fiquei realmente preocupado. Estamos nos alimentando mal, talvez seja isso. Fato é que quis sair para buscar remédios. Ela não deixou. Mesmo porque não sei se teria coragem de deixá-la aqui sozinha, mesmo protegida pelas paredes desse enorme shopping.

O dia de hoje, no entanto, foi interessante. Anna ainda não demonstrou interesse no que eu escrevo, assim, espero que ela não leia este texto em particular. Hoje, logo pela manhã, transamos como loucos. “O quê?”, você deve estar se perguntando... Mas foi exatamente o que aconteceu.

O beijo anterior de Anna provavelmente foi uma afirmação de sua opção sexual ante a tentativa de Karen. Mas depois dessa noite, quando dormimos abraçados (ela tremia de frio graças à febre), alguma coisa mudou.

Quando dei por mim, estávamos derrubando alguns livros de uma estante em um sexo louco que poucas vezes experimentei. Não sei se foi a seca dos dois (mais de um mês sem), se o fato de notarmos que existem poucas opções por aí ou simplesmente porque já deveríamos ter feito tudo isso há muito tempo.

Mas o sexo em si não interessa aos que estão lendo isso. O que veio após o clímax é o que interessa. Após Anna dizer algo como “temos de fazer isso mais vezes”, olhamos para o lado e percebemos que um morto-vivo nos observava, com a cabeça torta. Uma baba bovina e elástica pedia de sua boca – ou daquela pele necrosada que um dia foi um lábio.

Corremos pelados – pode rir, eu sei, a cena é patética –, cada um para o lado. Só então me lembrei que tinha deixado a arma próxima ao local onde dormimos e voltei. Foi quando o zumbi despertou de sua letargia e atacou. O fez berrando um som gutural, horrendo. Há muito não ficava tão nervoso com a arma na mão. Estava sentado, tremendo, com ela na mão, rezando para que pudesse dar um tiro certeiro na cabeça antes que ele me alcançasse. O primeiro pegou no pescoço, mas o segundo foi certeiro, pois ele avançou para cima e praticamente me deu a testa para um tiro a queima roupa.

Acho que por estar sem roupa me senti desprotegido. Mais do que o normal – embora as vestimentas do século 21 não sejam lá nenhuma armadura. Droga... Os miolos do zumbi fizeram questão de estragar essa bela parte da loja – uma que estava começando a me acostumar. Pior, é o primeiro tiro que dei aqui dentro. Terei de torcer para que o barulho não atraia mais deles.

Antes de escrever isto, fiquei matutando... O que aquele morto-vivo estava fazendo? Ele poderia ter atacado e ambos deveríamos estar mortos. Mas ele não avançou. Será que dentro desses cérebros mortos pode haver algo? Eles não falam, não sentem dor e parecem não ser capazes de usar ferramentas ou armas. Mas algo me diz que os cérebros dessas coisas não estão tão mortos assim... 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dia 34

Não vou poder contar muito, pois estamos tentando organizar um lugar aqui dentro desta loja para passarmos alguns dias. Conseguimos achar alguma comida nos estoques das lanchonetes, pelo menos o que não estava estragado depois deste mês.

Anna está melhor do pé, mas entende que é melhor ficar por aqui.

Não há sinais de mortos-vivos. Pelo menos até onde olhamos. Mas precisamos fazer um pente fino aqui. O shopping é enorme.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Dia 33

Aos que me acompanham em minha luta pela sobrevivência, não há motivo para preocupação. Fiquei mais de dois dias sem escrever, após a louca fuga da loja de conveniência do posto de combustível do aeroporto. Até chegar aqui (já conto) e se estabelecer, passamos por maus bocados.

Conseguimos sair em uma Range Rover preta, quase sem combustível, então tivemos que parar em um posto da Asa Sul. Anna abasteceu até a boca enquanto tive de atirar em um bocado de mortos-vivos. A pintura desse belo carro também já foi para o espaço, uma vez que tivemos de bater e arrastar alguns outros veículos que estavam pelo caminho.

Nosso “passeio” pela cidade não foi nada animador. Foi aterrorizante, para dizer a verdade. As ruas estão tomadas por eles. Procurei não atropelá-los com força, pois podia danificar o carro, mas fui obrigado a colocar terceira marcha e passar por cima de vários nos pontos mais críticos. A paisagem de Brasília não é mais a mesma. As ruas, antes largas e vazias no que diz respeito a pessoas, estão agora negras, de tantos zumbis apinhados.

O primeiro erro nesta nova incursão foi parar em uma padaria para conseguir alguma comida. Assim que entramos, quase vomitamos com o cheiro do lugar. Quase tudo que poderia estragar e que foi deixado para trás já estava verde ou negro. O cheiro é ainda pior que o dos mortos. Conseguimos algumas coisas empacotadas, mas acabamos encurralados por uns seis zumbis. “Burro”, pensei, “as padarias têm, geralmente, só uma entrada. Tive de abater três deles e lutar contra outros três. Anna junto. E foi aí que ela torceu o pé. Não sei como consegui arrastá-la até o carro, mas estamos vivos. Ela sem poder andar direito e eu com um corte profundo no braço – conseguido graças a um vidro quebrado do freezer.

Onde estamos agora? Em um shopping Center (é estranho usar a segunda palavra para esse estabelecimento. Ninguém o faz). Paramos o carro em uma das entradas, pois não avistamos nenhum morto-vivo por aqui. Aliás, só encontramos o primeiro ontem, que foi abatido a pancadas, sem tiros, para não chamar atenção. Incrível isso aqui estar vazio.

Mas é fácil imaginar o motivo disso aqui estar vazio. Quando a notícia foi dada, a do caos, todos se preocuparam em fugir, em conseguir comida ou em arrumar um lugar seguro e fechado para se trancar. Ou os três juntos. Ninguém pensou em um shopping. Ninguém pensou em comprar – muito do que foi conseguido na histeria deve ter sido saqueado. E sem carne viva em um shopping, sem mortos-vivos a procurar.

Nos instalamos em uma loja de tecnologia – uma que tem de tudo, mas tudo mesmo. Tive tempo de procurar baterias extras para o meu computador e estou carregando elas, para o caso de a energia acabar. Aliás, essa pergunta me aflige. Até quando a teremos?

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Dia 30

Sei que demorei a escrever e muitos podem ter pensado no pior, mas continuamos vivos. Completamente estarrecidos, mas vivos. Malditos mortos-vivos.

Como contei anteriormente, estávamos na loja de conveniência do posto de combustível do aeroporto. Eu e Anna na sala do fundo, protegida por paredes, uma janela alta e pequena e a porta. Karen na loja, lá na frente, escondida entre as estantes que antes eram dos salgadinhos. Disse que queria ver o nascer do sol e vigiar a possível chegada dos mortos-vivos.

Depois de contar a Anna que possivelmente Karen tinha sido mordida, tive de segurar a boca dela. Anna queria gritar de surpresa – e o faria, se bem a conheço. Ela sabe que logo depois da mordida vem a febre, em seguida a morte e, finalmente, o corpo se levanta. Daquele jeito. Implorei para que ficasse quieta e que procurasse disfarçar quando ela voltasse para a dispensa. Mesmo porque Karen estava com uma das pistolas. Faria bobagem para sobreviver, mesmo que por algumas horas a mais.

Não adiantou falar muito. Assim que Karen abriu a porta, de supetão, Anna soltou um grito abafado. “Se preparem. Tem carnívoro na área”, disse a nissei, e depois voltou para a loja. Acho que interpretou o grito de Anna como apenas um susto comum.

Pedi a Anna que ficasse lá atrás. Fui até a loja com a escopeta na mão e uma pistola na cintura. Conversei com Karen. A coisa era pior do que eu imaginava. Todas as paredes do snackshop eram de vidro e mais ou menos uns 20 zumbis estavam lá fora. Dez deles estavam quase que colados à vidraça, olhando para dentro. E começaram a bater nela e gemer assim que apareci. Não sei se foi o barulho do carro ou o cheiro. Mas eles chegaram lá. E se eu bem conhecia a regra, logo seriam 30. Depois 50.

“Vai lá dentro e ajuda a Anna a guardar tudo nas mochilas. Depois volta que o negócio vai ser feio”, me disse Karen, apontando a arma para o vidro.

Quando eu entrei na sala dos fundos, já não era mais possível ver o carro que estacionamos na frente. Cada centímetro do vidro tinha um morto-vivo batendo. Anna estava nos olhando pela janelinha de vidro da porta, com pavor no rosto - só cabia ele no quadradinho. 

Quando terminei de guardar tudo, olhei novamente pela janelinha da porta, que estava encostada. Um dos vidros rachou, fazendo um barulho agonizante. Vi Karen gritando para que andássemos mais rápido. Foi quando tudo lascou de vez.

Mais um dos enormes vidros que protegiam a loja se rachou com as batidas dos mortos-vivos – o número tinha dobrado – e Anna, assustada, fechou a porta. Mais que isso, a trancou. Karen olhou para trás e correu em nossa direção. Eu nunca vi alguém xingar tanto e com tanta ferocidade. Karen percebeu que fora trancada do lado de fora e que não aguentaria sozinha. E eu, por longos segundos, fiquei paralisado.

Karen me encarou com desespero. Olhos arregalados. Como se dissesse: “Abre isso agora”. Eu vacilei e olhei para o seu braço. Ela acompanhou, olhou para baixo. “Isso aqui é um machucado, idiota! Não vai acontecer nada comigo!”.

Não sei o que me deu, mas eu não dei conta de abrir a porta. Olhei para os vidros que estavam prestes a se romper, olhei para Karen e, acredito, disse com os olhos algo como “sinto muito”. Karen apontou a arma para a porta e tive tempo de pular e de empurrar Anna para o lado, ao mesmo tempo. Ela atirou três vezes, depois chutou a porta com raiva. Nos amaldiçoou, berrou um bocado e o máximo que pude fazer foi se encolher em um canto.

Anna chorou muito com tudo aquilo. E segundos depois ouvimos um dos vidros estourar. Não vimos nada, mas pudemos assistir, em nossas imaginações, um rio de mortos-vivos invadindo a loja. Todos na direção de Karen. Ouvimos um grito abafado. Um choro curto, rápido e também abafado. E um único tiro. Um só.

Prefiro não conjecturar, mas acho que sei o que aconteceu. O que ela fez. Sinto-me culpado, mas também aliviado por não abrir a porta. Provavelmente estaríamos mortos. Só não estamos porque, felizmente, a pequena janela da dispensa, mesmo sendo alta, funcionou como rota de fuga – algo que deveria ter pensado antes, mas fui desleixado, dando apenas sorte.

Anna quase torceu o tornozelo ao saltar daquela altura, mas conseguimos sair pelos fundos e correr. Acho que todos os zumbis da área estavam, naquele instante, tentando entrar na loja, tudo por um pedacinho de carne fresca.

Sei que não é hora de piada, mas perdi uma pistola e uma guerreira para ganhar um carro dos sonhos. Assim que chegamos correndo a uma concessionária multimarcas, fui ao quadro de chaves e peguei uma com uma plaquinha onde estava escrito “Range Rover”. Foi nela que saímos de lá. Um modelo que custa o mesmo que um apartamento.

Estou muito cansado e abalado com tudo, assim, deixo para contar o que vimos perto do aeroporto em outra oportunidade. Por hora, uma dúvida me corrói por dentro. Ela tinha sido mesmo mordida?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Dia 29

Ainda não sei como tenho nervos para escrever aqui depois de tudo o que aconteceu. Ontem, depois de sairmos da mansão onde estávamos instalados, Karen foi atacada pelos mortos-vivos e quase não consegue entrar no carro. Anna não viu, mas eu percebi, pelo retrovisor, que nossa nova amiga foi mordida. Ou algo parecido. Sei que enrolou um lenço no antebraço. Esperava, naquele instante, que fosse apenas um arranhão da grade, um corte ou algo parecido.

Depois de trocar de lugar com Anna, que estava muito menos assustada que dias atrás, em outras fugas, dirigi rumo ao aeroporto. Era o combinado. Precisei atropelar um zumbi que estava em um grupo de cinco no meio da pista, mas, fora isso, o caminho foi tranquilo. Como imaginávamos. Quase nunca havia trânsito pesado no acesso ao aeroporto – e Karen nos avisou que viu no noticiário, dois dias depois do acontecimento, que todos os aeroportos foram fechados. Provavelmente por causa dos inúmeros acidentes aéreos ao redor do mundo.

Algo que não contei a vocês. Eu e Anna não tivemos a chance de ver o noticiário, mas Karen nos atualizou, pois viu alguma coisa na televisão. Quando o caos se instalou, aeroportos foram fechados, as autoridades pediram para que todos ficassem em casa – o que não funcionou, congestionando as rodovias – e que, em breve, novos direcionamentos e comunicados chegariam. Isso nunca aconteceu. Karen disse que apenas alguns canais ficaram no ar, mas com avisos automáticos.

“Essa foi por pouco”, foi só o que disse Karen, olhando distante pela janela.

A entrada do aeroporto estava praticamente vazia. À direita, onde havia várias concessionárias de marcas caras, só era possível ver o mar de carros em exposição. À esquerda, onde se localizavam os pátios de manutenção e empresas de táxi aéreo, estava vazio como antes. Mais à frente, entrei na área de desembarque. Alguns táxis ainda estavam lá, misturados a alguns carros vazios, alguns com as portas abertas. Outros estavam carbonizados e dois deles tinham os bancos completamente cobertos por sangue já ressecado. Mais para dentro, perto dos portões de desembarque, um carnívoro caminhava solitariamente. Não pude ver direito, mas aposto que vestia o que um dia foi um uniforme de técnico de pista ou coisa assim. Anna tirou uma FOTO com o celular. Está ficando boa nisso.

Foi a deixa para sairmos dali. Dei a volta e logo que avistei o posto me lembrei que estávamos com pouca comida. Quando o mundo ainda era dos vivos, o snackshop 24 horas daquele posto, a loja de conveniência, era ponto de encontro para quem estava saindo para uma noitada ou voltando dela. Lá com certeza tinha comida.

Estacionamos o carro bem em frente às portas de vidro, que estavam escancaradas. Descemos, pegamos as armas e as mochilas, entramos e fechamos tudo. A loja inteira estava revirada, sem comida nenhuma. Mas algo me dizia que atrás da porta de funcionários havia um estoque. Tinha de ter. Muita gente passava ali todos os dias. E também não podíamos ficar ali, com aquele tanto de vidro. Logo iria amanhecer e a loja se transformaria em um aquário aos carnívoros.

Fiquei feliz por estar certo. A sala de estoque e descanso dos funcionários era quase tão grande quanto a loja, tinha apenas uma pequena janela e a porta era comum, mas com trancas. E havia muita besteira pra comer. E isso foi um alívio.

Estou escrevendo aqui enquanto Karen está lá na frente. Pediu que ficássemos aqui. Que iria até lá para ver o nascer do sol e para vigiar um pouco. Aproveitei para contar a Anna sobre a possível mordida. Tive de tapar a boca dela para que não gritasse ou chamasse atenção. Sinceramente? Não sei o que vou fazer. E tenho medo da reação da Anna quando ela voltar. Karen é esperta. Mais que isso... É agressiva.

domingo, 21 de novembro de 2010

Dia 28

Só contando por aqui é pouco. Só eu, Anna e Karen, que vimos tudo, tivemos ideia do que foi aquilo. Ontem decidimos sair da casa – a comida está quase no fim. Partimos de lá para algum lugar incerto. Mas o que interessa mesmo é a forma que saímos.

Já tinha mencionado aqui que a Karen é completamente maluca. Mas devo admitir que sua loucura tem uma certa lógica. Quando ela me explicou o plano do botijão de gás, não pensei que daria certo.

Preparamos o carro e as mochilas e decidimos fazer tudo no início da noite. A antiga Grand Cherokee foi posicionada de frente para o portão. Anna estava ao volante, eu em cima do telhado com a espingarda e Karen sobre uma escada que montou perto ao portão. De lá de cima, a doida jogou o botijão de gás na rua. O mesmo estava com um pano amarrado, embebido em gasolina – ao qual ela ateou fogo antes de empurrar. Me repetiu quinze vezes que eu tinha de acertar um tiro no botijão, quando ele rolasse para longe, antes que o fogo se apagasse. Precisei de dois tirou.

Vocês não têm ideia de como é a explosão de um botijão, assim, tão de perto. Uma bola de fogo subiu em menos de um segundo e o impacto de ar quente me atingiu em seguida, quase me derrubando do telhado. A pancada abriu um buraco no chão da rua e um “buraco” na massa de mortos-vivos que se apinhavam ao redor da casa. Quando consegui me aprumar, vi, antes de saltar sobre o carro, pelo menos quinze zumbis descendo a rua tomados pelo fogo – aqueles que não foram despedaçados completamente.

Quando me sentei no banco de passageiros, Karen já abria o portão. A explosão afastou vários zumbis da porta e, acredito eu, o barulho e o fogo, mais abaixo na rua, chamaram a atenção da maioria, pois estavam se encaminhando pra lá. Era a chance que tínhamos. Anna acelerou forte e saiu da casa, atropelando os que sobraram no caminho. E Karen pediu, com gestos, que fôssemos mais à frente. Assim Anna fez, andando por mais uns dez metros, onde não havia quase nenhum zumbi – e a nissei poderia entrar com maior tranquilidade.

Karen ficou com a escopeta. E precisou usá-la, pois vários mortos-vivos esqueceram do fogo e do barulho do botijão, deram meia volta e foram para cima dela. Acho que dificilmente vou ver alguém lutar com tanta ferocidade. Karen inutilizou três deles com tiros, acertou dois com coronhada e precisou empurrar mais uns sete que a rodearam para conseguir escapar. Anna e eu ficamos petrificados assistindo à cena, pois quase assistimos ela sendo cercada. Mais alguns segundos e ela não chegaria ao carro.

Anna trocou de lugar comigo e seguimos o caminho do aeroporto, pois combinamos que era mais largo e poderíamos decidir o que fazer de lá. Mas essa não foi minha preocupação nessa noite. Olhando no retrovisor, tive a impressão de ver Karen enrolando um lenço no antebraço. Ela foi mordida, tenho certeza disso. Merda! Ela foi mordida...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dia 27

Podem me chamar de maluco, mas depois de quase um mês rodeado de mortos-vivos, o dia mais maluco aconteceu hoje. E não tem nada a ver com os carnívoros.

Acho que era começo da tarde. Anna tinha acabado de tomar banho e estava enrolada em um roupão que achou nesta mansão. Então tomei meu banho em seguida e saí, enrolado na toalha – acho que estamos começando a voltar à “vida normal”, o que não é bom. Mas quando dei um passo para fora do banheiro e mirei o quarto, retornei. Isso porque vi Karen encostando Anna na parede. Praticamente encoxando-a. As bocas estavam perto e acho que o beijo entre as duas não tardaria.

Quando voltei ao banheiro, ainda esfumaçado, liguei novamente o chuveiro e esperei. Mil coisas passaram por minha cabeça. Mas todas as teorias foram embora quando Anna irrompeu pela porta do banheiro, me puxou e me deu um longo beijo na boca. Fiquei sem ação – algo que normalmente não acontece. Os zumbis desapareceram. Tudo desapareceu.

E sem me deixar falar nada, Anna me puxou para mais perto, segurando na toalha, e me disse algo como: “A gente vai ter de sair esta noite”.

Acho que vamos usar o botijão de gás muito antes do combinado...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dias 24 a 26

Não tive muito tempo de escrever nos últimos dias, assim, resumo o que se passou – pois foi uma verdadeira loucura.

A Karen está conosco. Já explico como a Karen veio parar aqui – a mulher do outro lado, que subia no telhado.

Depois que Anna desceu do telhado – foi mostrar seus cabelos curtos para a vizinha, até então desconhecida –, não mais a vimos e passamos a noite aqui, deitados na sala. Discutimos o que faríamos, pois não poderíamos ficar em um só conto por muito tempo. Dormimos pertinho um do outro e fomos acordados ao mesmo tempo por uma pequena explosão – era o que pensávamos na hora, e estávamos certos.

Mal chegamos do lado de fora e vimos o fogo no fim da rua. Uma pancada de carnívoros (Anna gosta de chamar os mortos-vivos assim) seguia pra lá. E quando achávamos que não seríamos surpreendidos por mais nada, eis que surge Karen, pulando “nossa” grade com uma desenvoltura que dificilmente vou ver de novo.

Ela nos apareceu e disse naturalmente, como se já nos conhecesse, “eles também são atraídos pelo barulho. Vamos entrar ou esperar que eles voltem para frente da grade?”. Simples assim.

Já dentro da casa, Karen explicou que improvisou um coquetel molotov e atirou para aquele lado, distraindo os zumbis. Antes que eu perguntasse, ela disse que foi criada com cinco irmãos e três primos. Eu mesmo não saberia como fazer um. Pelo menos até conhecer essa doida que invadiu nossa casa. Karen é descendente de japoneses, mas com traços bem leves. E gostei do jeito que se veste. Saia curta, bota de cano longo... Roqueira, com certeza. Por enquanto, posso escrever o que eu quiser dela, pois, assim como Anna, Karen tem uma certa aversão à computadores e não sabe o motivo de eu estar fazendo todo esse relato. Talvez por isso as duas ficaram tão juntas nos dois últimos dias.

Aliás, nesses dois últimos dias contamos nossas histórias. Karen estava em casa, com a família. Viu um deles voltar estranho (para não dizer morto). E viu cada um deles ser mordido, viu cada um deles se transformar nessas coisas que hoje andam sedentos pelas ruas. Disse que tentou fugir, mas só conseguiu fazê-lo depois de "matar" o próprio irmão com um porrete. Acho que ali ela pirou um pouco mais do que já era. Mas juntou os cacos, passou na casa do tio, se armou, mudou de esconderijos. Devo dizer que fez um belo trabalho até aqui.

Resolvi finalmente sentar e escrever por causa da última de Karen. Ela trouxe com ela apenas a mochila e a espingarda. E depois de comer as duas latas de sardinha que trouxe consigo, notou que temos pouca comida aqui na mansão que achamos. Disse que temos de ir embora – o que eu já tinha notado, mas estava criando coragem para executar.

O problema é que o barulho do coquetel molotov atraiu mais deles. Muito mais. Olhando de cima do telhado, posso contar uns 200, pelo menos. E a maioria já não vaga apenas, fica à espreita no portão, olhando pra cá. Sabem que estamos aqui. Notaram que tem carne no pedaço.

O plano de Karen para sairmos daqui é, no mínimo, inusitado. Envolve um botijão de gás e só espero que não dê merda. Espero que realmente consigamos sair daqui. 

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Dia 23

Antes de falar sobre mais um dia de sobrevivência aos mortos-vivos, tenho de comentar sobre os sobreviventes. Marne, Cedric, Julio e Bruno entraram em contato. Temo pela vida de Vagner e Marcos. Os dois não entraram mais em contato. Prefiro pensar que está complicado de entrar na internet.

Contei a Anna sobre a mulher do telhado. Ela também subiu para avistá-la. Ela não estava lá, mas apareceu depois de uma hora. Parecia mais animada ao ver os dois e acenou com maior entusiasmo. Sua espingarda a acompanha o tempo inteiro – fico imaginando como ela aprendeu a atirar com aquilo, pois o coice é forte.

Anna quis gritar para ela, mas tampei sua boca. Até mesmo a mulher de lá percebeu o que minha amiga ruiva estava fazendo e colocou o indicador na frente dos lábios. Agora precisamos encontrar um meio de se comunicar à distância.

Enquanto isso não acontece, descemos para comer alguma coisa. Anna me surpreendeu com uma tesoura e pediu que cortasse seu cabelo. Exigiu, aliás, pois disse que não saberia como fazer aquilo. Ela me convenceu dizendo que seria muito imprudente fugir de zumbis com cabelo comprido. Faz sentido. Roupas largas e cabelos compridos devem ser um convite para as mãos sedentas. Mortas, mas sedentas.

Não ficou um primor, mas devo dizer que gostei de ver Anna com os cabelos curtos. Ela subiu ao telhado para mostrar a novidade à nova “amiga”.

Desceu dizendo que há mais mortos na rua. Eles estão se acumulando novamente. Sinto que não vamos poder curtir essa mansão por muito mais tempo...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Dia 22 (Sobreviventes)

Recebi recentemente notícias de Cedric, um dos sobreviventes que entraram em contato comigo e com Anna. Ao que parece, ele está se arrumando no Sul.

Marne foi o último a responder e já pensa em abandonar o apartamento na Asa Norte. Quem também estava por lá, mas não deu sinal de vida, é Vagner. Temo pelo que pode ter acontecido – ou não conseguiu conectar à internet ou já não está mais entre os vivos.

Outros que tinham encontrado em contato e sumiram: Bruno, Marcos, Julio e Drika. Espero que não tenham se perdido por aí. Já é ruim demais termos tão poucos vivos...

Dia 21

A pessoa que nós “vimos” do outro lado da rua, atirando, colocou uma toalha vermelha na janela. Não conseguimos mais ver nenhum movimento por lá. Talvez por ser muito de manhã. Pode estar dormindo, como Anna. Eu, que não consegui dormir, corri aqui para fora para ver se enxergava algo. Só há a toalha.

Os mortos-vivos da rua estão perambulando longe da casa em que estamos, mas não posso ficar aqui muito tempo. Sei que eles podem sentir o cheiro e se bobearmos, logo estarão rodeando tudo por aqui.

Como daqui de baixo fica difícil ver a casa em frente, resolvi me ater a um velho hábito. Subir no telhado. É uma boa hora para traçar uma rota de fuga – caso os zumbis invadam isso aqui – e, quem sabe, ver lá do alto nosso vizinho atirador. Foi aí que me veio a surpresa...

Quando subi – há um acesso fácil, escalando pela churrasqueira –, consegui ver todas as casas da vizinhança. Também vi que há mais mortos-vivos por aqui que gostaria (já deveria ter me acostumado). E o atirador estava lá, no telhado, no telhado. Atirador não... Atiradora! Dei um grande sorriso quando a vi (acho que o primeiro em dias). Pelo que posso ver daqui, é uma mulher de uns 30 anos, vestida com saia, botas e blusão de frio. Seu cabelo parece preto e vai até o ombro.

Ela demorou para me ver – estava deitada perto da chaminé (acho que a outra mansão também tem churrasqueira), abraçada a uma espingarda. E quando me viu, me acenou de forma tímida. Acho que ela sabia que eu subiria aqui. Não sei como, mas sabia.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Dia 20

Antes de tudo tenho de dizer que recebi mais dois contatos de pessoas vivas em Brasília. Nem tudo está perdido. Acho que, com o tempo, um ou outro vai aparecer. E uma hora teremos de decidir o que fazer.

Um deles é Vagner Vargas. Está em sua própria casa, na Asa Norte. O outro é Marne Azarias. Também está na Asa Norte, mas, ao que parece, se refugiou em um apartamento alheio, exatamente como temos feito eu e Anna (já cogitamos a hipótese de irmos para nossas casas, mas achamos arriscado. O conceito “minha casa”, nessa altura, não existe mais). O bom de Marne é que ele estava estudando Biomedicina... Sorte ter um desse vivo. Vamos precisar deles? De estudos? Espero que sim.

Como citei aqui ontem, parei de escrever porque ouvi tiros lá fora. Anna voltou assustada da janela e me abraçou. Não sei se por medo ou felicidade. O medo, provavelmente, por pensar que, hipoteticamente, um deles fosse capaz de segurar uma arma. A felicidade por ouvir o primeiro sinal de “humanidade” desde que tudo começou a acontecer. Engraçada essa história de ligar tiros a algo humano. A pior criação da humanidade servindo para identificá-la...

Fomos os dois à janela da sala. Ficamos olhando por longos minutos à espera de outro tiro, que veio e derrubou um dos zumbis que tinham sido atraídos uma hora antes. Tiro com barulho alto, demorado. Se eu me lembro bem, deve ser uma espingarda. Algo na memória que envolve meu avô e uma fazendo. Não me recordo bem.

Em homenagem ao meu avô

Está escuro lá fora e não dá para enxergar nada. A luz dos postes ainda funciona, mas é o mesmo que nada. Tivemos de esperar mais meia hora por outro tiro. Esse acertou um morto-vivo no corpo, que voou longe, mas depois se levantou – provavelmente com um rombo. Anna disse que viu o fogo saindo do cano, na casa em frente. Não deu pra ter certeza. Aqui a rua é larga, os vizinhos da frente moram longe. Se fosse rua de pobre, seria bem perto.

O jeito vai ser esperar. Pela manhã, arrisco ir lá fora para ver melhor. Acho que dá para ir ao portão – os poucos que foram atraídos apenas perambulam pelas ruas. Por enquanto, não corremos o risco de ter um mar de mortos empurrando a grade.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dia 19 (Finados)

Sinto medo, muito medo mesmo... Mas aprendi que sentir medo é bom. Quando se sente medo, é prova de que ainda está vivo.

Acho que os tiros de ontem em Jarbas (morto-vivo que estava preso em um quarto aqui, na casa em que estamos) foram ouvidos. Por eles. Quando chegamos aqui, não havia um único zumbi. Hoje, pelo menos uma dezena deles está lá fora, vagando pela rua e procurando por algo.

Se minhas contas estão certas, hoje é Dia de Finados. Dia dos Mortos. Uma ironia que me fez rir de nervoso. No Dia dos Mortos, nesse Dia dos Mortos, são eles que vieram me visitar. Acho que para pagar todos os outros dias em que não fui visitá-los no cemitério no Dia de Todos os Santos. Nunca gostei de cemitérios... Engraçado, pois minha cidade virou um cemitério a céu aberto.

Onde eles deveriam estar...
Não sei o que atraiu esses novos mortos-vivos pra cá, se os tiros ou os berros e grunhidos desconexos de Jarbas enquanto tinha os dois braços arrancados e a cabeça estraçalhada por uma bala. Fato é que estamos novamente sitiados e não duvido que mais deles cheguem com o tempo.

Anna está ao meu lado. Lê o que escrevo. Ela disse que vai pensar em escrever (finalmente). Ela está armada até os dentes. O olhar está diferente (ela agora foi até a janela). Agora sei que “eles” mudam a gente. Não somos mais quem éramos.

Volto a escrever em breve, pois ouvimos tiros lá fora... Não sabemos de onde vem, mas isso é um ótimo sinal. Anna está tentando encontrar a origem, mas está escuro lá fora. Alguém está atirando! Está atirando!

domingo, 31 de outubro de 2010

Dia 18

Sinto-me mal por ter colocado a foto do Jarbas. Paciência. Ele também não estava aqui para bater um papo ou fazer amizade. Acho melhor não amolecer. Em terra de mortos-vivos, quanto mais estúpido for, mais vivo fica.

Entrei e pensei que ia encontrar Anna um pouco passada. Que nada. Estava em uma mesa com as outras três pistolas automáticas que pegamos no Setor Policial. Estava tirando e colocando novamente as balas nos pentes. Acho que Jarbas foi sua graduação.

O esmalte negro (ou cor de café, não sei) de Anna já está descascado pela metade. Seu cabelo ruivo, bonito tantas vezes, está um pouco ensebado. O rosto está cansado e há alguns arranhões aqui e ali (sempre que corremos saímos esbarrando nas coisas, nas paredes). Mas ela continua deslumbrante, principalmente com a roupa que está usando. Principalmente na penumbra. Mas ela é minha amiga...

Fico me perguntando até quando isso vai durar. O negócio de uma só mulher no mundo. Pelo mesmo uma só ao meu alcance.

Como ela ainda não quer participar desse relato na internet, não ouso colocar uma foto sua aqui. Mas coloco duas, assim podem também imaginá-la. Misture uma foto à outra e terá uma ideia (pois os cabelos são levemente encaracolados). Agradeço à internet mais uma vez por isso.


OS SOBREVIVENTES
Já tem algum tempo que não recebo notícia dos sobreviventes. Cedric estava indo para Curitiba. Não sei se conseguiu acessar a internet por onde anda. Bruno do Val e sua amiga (ou namorada, não sei) ainda estão na Bolívia. Queria saber a situação nessas duas cidades. Já por aqui, em Minas, Marcos, Júlio e Drika estão passando por maus bocados. Espero que ainda estejam bem...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Dia 17 (Jarbas)

Não há sinal de mortos-vivos por aqui. Isso é bom. Um sossego dado os últimos dias. E o único que tem, o Jarbas (demos esse nome ao zumbi que está preso no quartinho de empregados) viu hoje a luz do sol depois de sei lá quantos dias.

Anna disse que seria uma boa soltá-lo. Mas só para que pudesse atirar nele logo depois. Treinar com latinhas era uma coisa. Ter um morto andante na frente é outra.

Combinei tudo com Anna. Ela ficaria na frente da porta, com a arma. Eu fiquei quase que escondido, ao lado, com uma automática na cintura e um machado (encontrado na despensa dessa mansão que estamos “morando”). Se Anna errasse o tiro, eu tentaria ele, afinal, balas não duram para sempre.

Foi exatamente o que aconteceu. Anna se afastou e abri a chave, escancarando a porta. No início, silêncio. Depois, um rugido. Jarbas saiu de dentro do quartinho andando lentamente. Mais do que previa. Talvez as juntas tenham apodrecido por falta de movimentação, sei lá. Ele estava sem camisa e usava jeans e botas. Se Jarbas era mesmo um empregado, deveria ser um jardineiro ou coisa parecida.

Anna tentou três tiros. Dois acertaram o peito, que já aparecia bastante destruído (provavelmente de uma luta anterior com alguém). O outro acertou o rosto de raspão. Acho que se assustou por não ter acertado logo e recuou. Gritei para ela parar de atirar e se afastar. E isso chamou atenção de Jarbas. Ele não estava tão lento assim. Virou-se rápido na minha direção e escancarou a boca de forma assustadora. Deveria ter pegado a arma na cintura, mas levantei o machado no reflexo e baixei com toda a minha força. Acertou o ombro, perto da junção, deixando o braço pendurado por pouca coisa. Embora fosse mais difícil manusear aquilo do que eu supunha, tive uma ideia maluca. Precisei de mais duas machadadas para arrancar seu outro braço, o direito (mas esse foi mal cortado, na altura do bíceps).

Anna ficou um pouco em pânico com aquilo, mas, resumindo, consegui amarrar o morto-vivo na pilastra que sustentava o telhado da varanda da pequena casa de empregados. Não deu muito trabalho e não precisou de muita corda, afinal, Jarbas já estava sem os seus dois braços.

Olhar aquilo de perto foi horripilante. A pele de Jarbas estava cinza e amarela, com alguns setores roxos e negros. Uma mistura de cores estranhas que não são comuns a nenhuma pele. O branco dos olhos não existe mais. Ali só há veias, pus e um branco leitoso, opaco. Quase não há mais lábios. É como se a pele do rosto tivesse secado e se retraído, evidenciando quase toda a arcada de dentes amarelados em uma gengiva apodrecida, negra. Acredito que por causa do sangue, que não mais circula. É assim em todo o corpo.

Quando cheguei perto para ver, quase perdi meu nariz. Fui descuidado. Subestimei a fome de um morto-vivo. Ele se jogou para frente, esticando a corda de varal improvisada, e escancarou os dentes na minha direção. Logo depois veio um bafo podre e um grunhido em forma de lamento que me arrepiou. Também me deixou com pena. Ele não olhou para mim, me entenda. Achei que estava me encarando, mas apenas fitava minha carne. Acho que pouco importa o que olha, contanto que seja comestível.

Pedi para Anna entrar na casa, o que fez sem reclamar. Não podia deixar Jarbas daquele jeito. Primeiro dei um tiro com a escopeta bem no meio do peito. Tinha de testar, mais uma vez, uma alternativa que não fosse a cabeça. O chumbo abriu um rombo enorme, mas o morto-vivo continuou ali, se mexendo, querendo escapar, berrando com uma voz estranha que não consigo descrever. Um tiro bem no meio dos olhos acabou com o sofrimento do jardineiro (ou de um homem qualquer que gostava de usar botas e que por algum motivo estava sem camisa).

A foto ao lado eu tirei com meu próprio celular (descobri que a bateria de minha máquina fotográfica foi para o pau). Ficou muito boa, mas tive de tratar antes de colocar aqui. Tratei para piorá-la. Acho que são os velhos hábitos de jornalista. Ninguém merece ver a foto explícita de um cadáver. Mesmo de um zumbi. Até mesmo do jeito em que está soa de mal-gosto. Vou colocá-la mesmo assim. Para alguém que esteja nesse mundo por aí e ainda não viu uma dessas coisas.

Arrastei o Jarbas lá pra fora, no asfalto. Não o coloquei muito longe. Não é nada bom se afastar da casa sem algum planejamento. E mesmo que tivesse tempo e tranquilidade, não o enterraria. Nem mesmo o conhecia. Acho que essa história de apelidar zumbis é uma maneira que encontrei para buscar algum sentimento aqui dentro. Algum apego a qualquer coisa. Acho que os sentimentos estão se esvaindo depressa. Perigoso isso, não ter apego a mais nada...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dia 16 (noite)

Desci as escadas como um doido. Tiros do lado de fora da casa. Só pode ser a Anna, pois não vimos ninguém até agora. E se ela está atirando, temos problemas, pois ela sempre se negou a segurar uma arma.

Quando eu cheguei do lado de fora, na frente da casa (a casinha de empregados estava à esquerda e a piscina à direita), encontrei Anna em pé, com uma pistola nas mãos. Mas não tinha nenhum morto-vivo lá. Tirando o Jarbas, que ainda estava preso no quartinho e gemendo mais alto por causa do cheiro e do barulho dos tiros.
Anna atirou em três latas que ela colocou do outro lado da enorme piscina. E pelo visto, acertou todas elas depois de gastar sete balas. Ela acertou!

Antes mesmo que eu questionasse a arma em suas mãos, ela explicou que um parente morreu com um tiro e sempre odiou armas de fogo por causa daquilo. Mas que agora não era hora para pensar nisso, pois precisa se concentrar naquele futuro apocalíptico. Também explicou que treinava em uma chácara de amigos com uma pistola de chumbinho quando era adolescente. “E eu era uma das melhores”, disse. “Atirar com isso aqui não tem muita diferença... Então, que venham eles!”.

Anna está mudada. Acho que todos nós estamos, em algum nível. Acertar bala na cabeça dos outros, mesmo que estes já tenham morrido um dia, não é lá muito construtivo. Mas tem de ser feito.

Anna me ofereceu uma ideia muito louca. Pior que aceitei. Vamos trazer o Jarbas aqui pra fora. Vamos encontrar cara a cara nosso morto-vivo preso no quartinho.  

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dia 16

Não estamos sós. Eu e Anna, por meio da internet, estamos recebendo alguns contatos. Como não conseguimos encontrar ninguém vivo em nossas andanças, acredito que realmente são poucos os que não se contaminaram. Dos que recebemos notícias, Cedric está a caminho de Curitiba, Marcos está em trânsito e Júlio e Drika em Contagem (MG). Vocês podem ter notícias deles nos comentários. O último a se manifestar foi Bruno do Val. Ele está na Bolívia, mas parece que é brasileiro.

A noite foi tranquila em “nossa” nova casa. Ao que parece, as pessoas que antes moravam neste setor se transformaram em zumbis ou bateram em retirada. O portão do condomínio estava aberto, assim, os mortos andantes devem ter partido atrás de carne e cérebros nos últimos dias.

Ainda não convenci Anna a escrever aqui na internet. Talvez com o tempo. Ela está lá embaixo (estou no segundo andar desta enorme casa). Fiquei tentando tratar as fotos que acabei de baixar de seu celular. Vão ter de me desculpar, mas estão horríveis, mesmo porque foram tiradas à noite. Coloco aqui duas delas, pois ainda vou tentar tratar e clarear as outras. A primeira (à esquerda), segundo Anna, foi tirada ainda nos primeiros dias, quando estávamos com Márcio. A segunda (abaixo), na W3, enquanto fugíamos na Grand Cherokee pelo centro comercial (acredito que fora tirada perto da Polícia Federal).

Nosso morto-vivo, o que está trancado no quarto de empregados, lá fora, ganhou o nome de Jarbas. Em algum momento nos permitimos fazer piada da situação. Fico imaginando que ele vai sair de lá dentro com um terninho preto, básico. Contrastando com sua pele apodrecida e cinza. Isso se abrirmos a porta.

Anna cogitou a hipótese de ir atrás de seus dois parentes que tem aqui em Brasília. Tive que fazê-la mudar de ideia. Tenho seis parentes aqui e não quero arriscar. Márcio, que Deus o tenha, era órfão e não teria esse problema caso estivesse aqui. Se há uma regra que não pode ser quebrada no quesito invasão de mortos-vivos, essa é uma. Mesmo porque provavelmente todos estão mortos. Uma procura como essa seria arriscada (quanto mais tempo em trânsito, pior). Se encontramos um ente querido transformado em zumbi, então, fatalmente teremos de derrubá-lo. E atirar em alguém conhecido, mesmo que podre e cadavérico, é complicado. Fico imaginando que hesitaríamos. E esse momento de dúvida na frente de um morto-vivo é mortal.

Caralho! Ouvi barulho de tiros lá embaixo. Só pode ser Anna! Vou ter que descer.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dia 15 (Segundo contato)

Esqueci de comentar sobre o segundo contato. Fico feliz em saber que mais pessoas sobreviveram a isso tudo.
O nome dele é Marcos Guinter. Está armado, o que é bom sinal. Ele só não me disse onde está. Não sei até onde essa coisa de mortos-vivos chegou...

Quanto ao Cedric, ele parece estar em viagem para Curitiba. Tinha esperanças de encontrá-lo aqui, mas não vai ser possível. Não agora, pelo menos. Como eu disse, uma hora, todos vão ter de se encontrar.

Dia 15

Já estou escrevendo da casa que escolhemos. Antes de chegarmos aqui, Anna atropelou alguns mortos-vivos no caminho da Polícia Federal pra cá. Procuramos no Google Maps uma casa que tivesse boa localização, bons pontos de fuga e que seja forte o suficiente. Que estivesse, também, longe dos grandes centros (quanto mais rico o lugar, menos pessoas por metro quadrado, consequentemente, menos zumbis). É uma puta casa na SMPW, um setor de mansões próximo ao aeroporto. Poucas casas por perto, um baita descampado ao lado (uma fuga por lá seria opção) e possivelmente um lugar tranquilo para traçar o que vamos fazer a partir daqui.

A casa tem acesso ao telhado. E do telhado, acesso para os quatro cantos da rua. Ponto importante no aprendizado de sobrevivência contra zumbis: rotas de fuga. Esteja sempre preparado para ser cercado por mortos-vivos. Eles aparecem como formigas ao redor do açúcar. O problema que o doce aqui é a nossa carne, nossos cérebros.

Demoramos um bocado para “limpar” a casa. Vasculhamos todos os cômodos para saber se tinha sinal de um morto-vivo. E acreditem, tivemos uma ingrata surpresa. Numa pequena casa ao lado da grande (mas que faz parte da propriedade e que possui um quarto e um banheiro), descobrimos um morto-andante que foi trancado. Não entendo bem como aconteceu, mas quem morava ali provavelmente descobriu um infectado e o trancou lá antes de abandonar a mansão. Se era um empregado, um parente ou um desconhecido, eu não sei. Infelizmente as janelas estão fechadas, exatamente como a porta (com a chave na fechadura, pelo lado de fora). Só sabemos que há um zumbi lá dentro pelos gemidos. E pela excitação ao sentir nosso cheiro, quando nos aproximamos.

Anna não quis cuidar do assunto naquele instante, nem quis mudar de casa (já que dá um trabalhão fazer uma varredura). Decidimos ficar aqui, por enquanto. Trancamos tudo e, se der, visitamos esse zumbi trancado depois. A noite já está chegando e não é muito prudente ficar aqui fora.

Ah, esqueci de dizer. Anna me confessou que tirou algumas fotos com seu celular (eu nem sabia disso). Como seu celular é vagabundo, imagino que estão ruins. Mesmo assim, logo que baixar, coloco aqui. Faço questão que todos vejam. Tenho aqui uma máquina fotográfica comigo e um celular que tira fotos razoavelmente. Mas esses dias foram tão loucos que nem sequer pensei em fotografias. Prefiro andar com uma arma em cada mão... Cliques não derrubam esses desgraçados.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Dia 15 (manhã)

Há pouco ainda estávamos em trânsito. Dirigimos com o sol nascendo, o que deixou o céu azul e laranja. Lindo esse céu de Brasília. Agora tem cheiro de morte. Era impossível prever como uma cidade ficaria depois de ser infestada por zumbis. Brasília, um lugar com mais carros do que deveria, está um caos. Milhares de automóveis estão parados nas ruas. Alguns já completamente carbonizados, outros engavetados em alguma batida feia e outros simplesmente parados por causa do último engarrafamento – quando os condutores provavelmente foram atacados e devorados pelos até então poucos mortos-vivos (e aí veio a reação em cadeia, pronto, temos todos os zumbis de que não precisávamos).

Graças ao Google Maps (Salve o Google!), consegui pensar com maior clareza (enquanto Anna se desdobrava para passar pelos carros parados – muitas vezes usando a calçada, graças à altura do carro). Antes do destino que escolhemos, passamos no Departamento da Polícia Federal, no Setor Policial (Brasília é assim, cheia de setores para tudo, inclusive motéis). Fiz uma matéria lá uma vez e sabia onde poderia encontrar armas e munição. Encontrei mais gente morta do que morta e andando (estes foram fáceis de driblar). Consegui uma grande bolsa e nela coloquei quatro pistolas automáticas, uma escopeta e uma cacetada de munição (o peso foi tanto que quase me dei mal na volta). Depois de conseguir tudo isso, fiz alguns testes: esses desgraçados realmente não caem se algo não destruir parcialmente seus cérebros. Tiros, até mesmo com a escopeta, em partes do corpo apenas dilaceram ou os param temporariamente. Só derrubei dois após tiros na cabeça. Agora que tenho munição, terei de treinar e insistir para que Anna faça o mesmo.

Antes de mostrar para onde fomos, quero colocar aqui onde estivemos. Não tirei fotos do lugar (deveria), mas a ferramenta do Google me ajuda. A quitinete, no PONTO A, era a casa de Márcio. Foi lá que passamos três dias enfurnados (e talvez por isso tenhamos perdido todo o desenvolvimento dessa coisa).
 
















De lá partimos para a W3 Sul, onde conseguimos uma casa (a do fadado e suicida Joel).

















A casa, se não me engano, é a marcada com o ponto azul. A parte em vermelho é a área que estava apinhada de mortos-vivos (desejei que o Google Maps atualizasse as fotos diariamente). A seta em amarelo foi o caminho que tomamos, por cima do telhado. Saímos pelas árvores, corremos pela pista e achamos o carro.

















Depois que nos instalarmos direito, conto o que mais aconteceu nesse dia. Por sorte, não há sinal de mortos-vivos por aqui.

domingo, 24 de outubro de 2010

Dia 14

Hoje foi um dia dos infernos. Só estamos vivos, eu e Anna, por milagre. Fui agarrado e quase mordido por aqueles malditos zumbis uma pá de vezes. Eu sabia que isso ia acontecer.

Estou começando a perceber que a sobrevivência em um mundo cheio de mortos-vivos passa pela necessidade de estar sempre um passo à frente. Eles andam devagar, eu sei, mas não é disso que eu estou falando.

Hoje, antes mesmo de o sol nascer (não sei a hora pois não uso relógio – e atualmente sinto menos necessidade ainda), acordamos os dois assustados (ambos estavam dormindo, damn it). Corri para a janela e lá estava, o portão no chão. Acho que a casa estava cercada por uns 200 deles naquele instante. Não tinha como aguentar. Eu sabia que a grade viria abaixo se eles continuassem a pressionar. Muito morto-vivo por metro quadrado.

Anna se desesperou. Não a via assim desde que saímos do apartamento do Márcio e esmaguei a cabeça de um deles. Ela olhou para a janela descrente e só conseguiu se mexer quando aquela onda bateu contra a porta, contra a janela, espalhando vidro pra todo lado. Gritei para ela correr, para pegar as mochilas, mas ela disse que não tinha saída, como escapar.

Tive que praticamente arrastá-la para o jardim de inverno. Coloquei uma estante lá, assim pudemos subir rápido. Depois de ajudá-la a subir, foi minha vez. E o fiz derrubando o móvel. Pelo menos ali, nenhum morto-vivo chegaria.

A visão lá de cima foi aterradora. Do telhado, Anna pôde ver a real situação em que estávamos. Acho que uns 300 zumbis cercavam a casa. Isso sem contar os que já tinham conseguido passar por cima da porta. Uma porrada entrou na pequena sala de jardim de inverno. Definitivamente eles usam o olfato.

Anna quis ficar ali por um tempo, abraçada. Mesmo porque o vento frio que batia ali em cima, no telhado, era de cortar a pele. Aproveitei para explicar o que eu já tinha em mente desde o dia anterior. Tínhamos de ir para o outro lado da rua, pelos telhados das casas. Tínhamos que descer, mesmo sabendo do risco de andar a pé por aí, e torcer para achar um carro que tivesse com a chave na ignição.

No início pareceu fácil. Conseguimos descer do outro lado, por uma casa com muro baixo. Não tinha ninguém (se é que um morto que anda pode ser chamado assim). Mas isso até virarmos a esquina. Três apareceram e corremos no sentido contrário. Lá tinham uns dez. Foi a primeira vez que usei o 38. No primeiro tiro, errei. No segundo, vi Anna se assustar com a cabeça do homem se espedaçando ao seu lado. Foi no zumbi mais perto dela que atirei. Pedi que corresse e quatro deles me seguraram.

Acho que consegui escapar e novamente ser capturado por aquelas mão sedentas umas cinco vezes. Foi o suficiente para Anna ganhar alguma dianteira. A alcancei pouco tempo depois, já perto do carro em que estamos agora. Uma Grand Cherokee antiga (me lembro de quando esse modelo foi lançado. Era adorado, mas hoje está ultrapassado). Estava parado na esquina de um comércio, após, supomos, bater de leve em outro carro. Garanto que o estúpido do dono desceu para discutir sem saber do que estava acontecendo lá fora.

É a Anna quem dirige agora, quanto escrevo. Pegando a internet nas ondas do ar. Incrível como ainda existiam pessoas que não colocavam senhas em suas conexões. Assim que parar em algum lugar seguro, volta a conversar com vocês.

sábado, 23 de outubro de 2010

Dia 13

Agora falo realmente no dia certo. Hoje. Anna está colocando as coisas nas mochilas – concordou que a situação aqui está periclitante (nunca pensei que usaria essa palavra em sã consciência).

Ainda não mostrei a ela, mas lá atrás da casa tem um jardim de inverno – o único cômodo que não possui laje. Tem um telhado transparente no teto, justamente para deixar a luz entrar. Subi lá enquanto ela tomava banho, hoje, depois de acordarmos. A telha estava solta e não foi difícil remover. Subi no telhado, como na época de criança (o termo também significa “perto de morrer”, segundo a piada).

Vi duas coisas lá de cima. Uma que me deixou estarrecido e uma que me aliviou. Primeiro a notícia ruim. Tem mais mortos na rua em frente à casa que imaginei. Da janela não pudemos ver nem metade. São tantos que é impossível voltar ao carro que nos trouxe até aqui. A notícia boa é que as casas aqui na W3 Sul são interligadas, ou seja, dá para passar para o outro lado pelo telhado delas. Em um ou outro ponto talvez precisaremos andas pelo muro, mas é melhor isso que enfrentar aquele mar de zumbis lá fora.

Antes de descer, fiquei um tempo lá em cima. Primeiro por causa do sol. Não sentia ele em minha pele há algum tempo. Segundo para olhar lá para baixo. A carne nos corpos de quem está andando está apodrecendo cada vez mais. É repugnante. Alguns pedaços do rosto de um estavam se soltando. Já um outro parecia ter secado. A pele ficou esticada e enrugada ao mesmo tempo. Repuxada no pescoço, como se ele tivesse que fazer um esforço tremendo para qualquer movimento. Me pergunto onde isso vai parar.

Dia 12

Pelas minhas contas estou no Dia 13 desde que começou essa porcaria toda. Ontem não tive como usar o computador, então, vou atualizá-los em dobro.
Cedric, o primeiro que entrou em contato, parece estar bem. Encontrou uma casa com um rádio amador – o que é uma boa ideia. Meu pai tinha um antes de morrer. Mas me lembro também que, tirando caminhoneiros e policiais, poucos usavam aquilo. Pode ser uma boa para o futuro.

Eu e Anna não tivemos uma noite muito tranquila. Nós sempre dormimos juntos, pois um sempre fica em alerta. Eu, geralmente, que já passei algumas madrugadas praticamente em claro. E quando durmo, é tão pesado que um dos zumbis poderia invadir a casa que eu não acordaria – aí é a ruiva quem cuida de acordar facilmente.

Passei o dia de ontem (o 12º) procurando um jeito de sair dessa casa. Não estou gostando do que eu estou venda lá fora. Já são muitos os que estão na frente do portão. Acho que são atraídos pelo cheiro, pela luz, pelo barulho. Não sei bem como funciona. O fato é que eu não sei se o portão aguenta muito tempo.

Ri outro dia conversando com a Anna. Nos Estados Unidos, onde as casas não têm muro ou portão, e muitas são construídas com madeira, a festa dos mortos-vivos seria de arromba (seria ou foi?). Com essa quantidade de zumbis lá fora, a casa teria sido derrubada, fatalmente. Mas começo a imaginar que aqui não é diferente. Vocês não podem imaginar a força que pode ter um monte de gente junto. Já vimos isso acontecer em portões de estádios, mas nunca paramos realmente para pensar nisso. São como formigas. Se milhões delas se juntam, podem derrubar e matar um elefante.

Não contei ainda para Anna, mas acho que encontrei uma maneira. Arriscada, mas encontrei.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Dia 11

Hoje o dia foi tranquilo, mas a noite não foi monótona. Depois de voltar da cozinha, passei em frente ao banheiro e levei um susto. Não era uma coisa ruim, mas me deixou surpreso. A porta estava entreaberta e Anna completamente nua. Estava embaixo do chuveiro, de olhos fechados.

Veja bem (você que não me conhece e precisa entender a situação). Anna tem pouco mais de 1,70m de altura, cintura fina e as pernas mais grossas e delineadas que eu já vi pessoalmente. Mas é minha amiga. Seu cabelo quase curto, loiro, raspado na nuca, pede para ser agarrado com gosto. Mas ela é minha amiga. E seus seios são firmes, pontudos, daqueles que faz qualquer um desviar a atenção de seu lindo rosto para eles. Mas é minha amiga. O problema é que minha amiga estava ali, deixando a água quente (enquanto ainda tem) rolar pelo corpo estonteante. E cada movimento seu se passava em câmera lenta.

Ela tinha deixado a porta aberta de propósito? Desejo pensar isso, mas não tenho certeza. A civilização, como conhecíamos, não existe mais. Os “outros” não estavam mais ali para “beirar” na fresta de um banheiro. Quando digo os outros, digo todo mundo.

Eu sei, tem uma pancada de zumbi lá fora. Uma cacetada de mortos-vivos que ficam gemendo horrendamente, como se dissessem: “Estamos com fome. De você”. Inevitavelmente lembrei de um filme... “Brains...”. O problema é que aqui, na realidade, eles não falam.

Voltando ao que interessa. Não entrei no banheiro. Deixei minha amiga lá. Deixei AQUELE corpo lá. Agora quem está com fome de carne sou eu. Saco. Ainda bem que ela não lê isso aqui. Já a convidei para escrever, mas ela nem quer chegar perto do computador. Se diz desanimada.

Será que ela sabe de minha vontade? Por isso fez aquilo? Toda mulher deveria saber que todo homem deseja comer suas amigas (não como aqueles troços lá de fora). Se você é mulher e tem um amigo, bingo! Ele quer comer você. Tem lá suas exceções, claro. Mas toda mulher tem um (s) amigo (s) que a quer. Elas deveriam saber disso (ou fingem muito bem).

Agora estou aqui na janela, esperando ela chegar com o cabelo molhado (aquele-que-dá-vontade-de-agarrar-com-vontade). Para distrair? Fico olhando os mortos-vivos que cercam a casa e se amontoam na frente do portão. Acho que agora devem ser quase cem. Pior, antes eles olhavam para o nada enquanto gemiam e batiam na grade. Agora, alguns deles parecem me encarar. Parecem estar olhando fixamente pra cá.

Primeiro contato (dia 10)

Hoje recebi o primeiro contato! Cedric Sigaud é o nome dele. E é de Brasília. Não estamos sozinhos! Aha! Isso é um ótimo sinal! É sensacional!

Ele não disse bem onde está, mas sobreviveu em um grupo de cinco pessoas que escaparam. Acessou a internet pelo celular (enquanto ainda tem bateria).

Isso me mostra o quanto eu e Anna temos sorte. Em um grupo de três, sobramos dois.

Espero realmente conseguir contato de outros sobreviventes. Um dia, uma hora, eles vão ter de se encontrar. Se conseguirem permanecer vivos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Dia 10

Fico me perguntando por quanto tempo ainda teremos água, eletricidade, internet... Sim, porque alguém tem de fazer a manutenção. E tenho certeza que não tem ninguém lá para cuidar disso. Ou morreu ou correu para se esconder.

Nos últimos dias que andamos na rua, encontramos muito poucos vivos. Três deles estavam correndo e continuaram correndo. Não quiseram se arriscar. O outro que esbarramos estava sendo atacado. Dessa vez fomos nós que não paramos. Aliás, até paramos o carro, mas distante. Ele também estava dirigindo e acabou ficando preso entre quatro carros abandonados – são centenas nas ruas. Não pudemos fazer nada. Ficamos ali assistindo. Em pouco mais de um minuto, dezenas de mortos-vivos que estavam por perto cercaram o Gol. Ele se trancou lá dentro. Gritou por socorro.

Veja bem... Não neguei ajuda. Se estivesse lá, assistindo aquele enxame lento se amontoar em cima do veículo, desejaria estar longe. E depois que muitos se empurram, os vidros dos carros acabam quebrando. Aí é uma questão de tempo até que a vida do sujeito vá para a vala. Antes de engatar a primeira marcha e continuar o caminho no nosso carro, ainda vimos um braço ser arrancado daquele montinho ao redor do Gol e surgir no meio dos mortos. Apesar dos grunhidos das bestas, ouvimos o berro de dor.

Não é nada legal ver alguém ser atacado daquela forma, ser desmembrado por zumbis mortos de fome (trocadilho que não se encaixa e não é engraçado). Mas a pior parte são os gritos. Os de Márcio ainda estão na minha cabeça. Olhei pela janela para saber se o corpo dele ainda estava lá. Não está. Provavelmente foi devorado e arrastado em diferentes direções – imaginem vários cachorros brigando por um frango assado que cai no chão e conseguirá visualizar a cena.

Vou ali ver se tem algo para comer. Nos primeiros dias perdi a fome. Mas isso não acontece mais. 

sábado, 16 de outubro de 2010

Dia 9

Esqueci de dizer, mas na minha última postagem ficou claro que a Anna continua comigo. Queria que o Márcio também estivesse. Eu disse que ele não deveria voltar para o carro, mas ele insistiu que tinha esquecido uma mochila lá (acho que tinha mais comida, sei lá – só vou saber se eu tiver de voltar. E eu não quero).

Quando a gente precisou entrar aqui, no sétimo dia, a gente se arriscou um bocado. A Anna viu de longe que o portão e a porta da frente estavam abertos. Mas isso significava que “eles” também poderiam estar lá dentro. É uma casa na W3-Sul (uma avenida comercial em Brasília, com residências de um lado e uma infinidade de lojas do outro).

Por sorte não tinha ninguém aqui. Pelo menos nenhum vivo. Pelo menos nenhum zumbi. Mas tinha um morto. Provavelmente o dono da casa. Ele deu um tiro na cabeça com um 38, dentro do seu escritório, nos fundos. Já deve fazer bastante tempo. Trancamos a porta daquele cômodo por fora (a arma e a munição – a primeira de fogo que conseguimos até agora – ficaram comigo). Foi só precaução, pois ele não se levantou. Anna e eu ficamos nos perguntando o motivo de ele não ter levantado. Acho que foi o tiro. Na cabeça. Já tivemos experiências suficiente para supor que há algo com a cabeça deles. Tudo funciona lá, e tudo para lá.

Deu o que pensar. Um moribundo vive na UTI, mesmo que não tenha um sem número de órgãos. Vive sem coração, sem rim, sem fígado. Não sem um cérebro. Se a gente desativa o cérebro, eles caem mortos, como antes estavam. Ou não se levantam, como o Joel (nome que demos ao dono do quartinho).

Por sorte aqui tem comida para uns sete dias. Ou mais (estamos aprendendo a racionar). O problema é que não podemos ficar parados em um lugar por muito tempo. Eles são lentos, mas vão se amontoando ao redor de onde você está. A Anna não sai da janela quase nunca. Ela fica lá, “beirando” a cortina. Da última vez, ela me disse que deveriam ter uns 40 lá fora. Acho que é o cheiro.

Tirando o Joel, não fizemos muito nesses três dias que estamos aqui. Testamos um rádio, a televisão. Tudo fora do ar. E se estivermos abandonados aqui? Sozinhos?

Dia 8 (cont)

Quando nós saímos da quitinete do Márcio, estávamos morrendo de fome (e Anna de medo). Mas a gente não tinha ideia do que era fome.

Logo na portaria, a gente encontrou nosso primeiro morto-vivo. Falando assim parece até piada. Ele estava debruçado sobre o corpo que deveria ter sido de uma senhora. Deveria porque não deu para identificar direito. Metade da cabeça tinha desaparecido ou se misturava ao sangue já quase seco que manchava o piso esverdeado do blobo. Também quase não havia carne no tórax, nos braços e nas pernas. Um pedaço da carne de uma delas, aliás, jazia perambulante na boca do morto-vivo, que virou a cabeça na nossa direção assim que descemos das escadas. Ele encarou a gente, quase hesitante, e parou de mastigar. Era como se ele tivesse percebido que não deveria continuar comendo aqueles restos borrachentos, já que estavam ali, em sua frente, três enormes pedaços de carne nova. Juro que a cena durou um século e arrepiou até o último fio de cabelo. Uma coisa era ver aquilo em filme, outra na real. Bem na sua fuça.

Era um garoto, de uns 20 anos no máximo. A pele era muito, mas muito branca (só que não tinha veias à mostra). Talvez por isso o sangue e os pedaços de carne humana (aquilo ainda perpetua meus sonhos) ficavam tão destacados em seu rosto. As mãos também estavam cobertas por um vermelho escuro gotejante. Havia daquilo até mesmo sob as unhas do moleque.

Se eu tivesse que contar com Márcio e Anna, que estavam estáticos, hoje eu estaria morto, ou sozinho. O garoto rugiu como um animal e partiu para cima de Anna, que se assustou e o empurrou com as duas mãos espalmadas. E teria lhe cravado os dentes na segunda investida se eu não tivesse pegado o extintor pendurado (sempre achei que jamais usaria um deles – pois ficam ali enfeitando a parede, eternamente). A primeira porrada foi no lado direito do rosto e abaixei a guarda. Achei que seria suficiente. Principalmente após perceber que os ossos da face tinham afundado, deslocando o nariz e o olho, e deixando uma pele murcha caída de lado. Mas ele não sentiu aquilo. E continuou. Não pensei que eu fosse explodir daquele jeito, mas parti para cima do garoto e bati com o extintor mais três, quatro vezes. Mentira. Acho que foi umas vinte. Até meu braço cansar. A cabeça do menino foi embora, dispersa no piso. Os pedaços ficaram espalhados, assim como o vômito de Márcio. Anna e eu teríamos feito o mesmo se ainda tivéssemos algo no estômago.

Nós corremos como doidos para o carro e passamos em vários lugares depois disso. Mas os dias 4, 5 e 6 eu não quero comentar. Não agora. O que interessa é que estou na casa de um desconhecido. Márcio, como eu já disse, ficou lá fora.

A Anna está me chamando. Se der, entro mais tarde para contar como chegamos aqui.

Dia 8

O barulho de ontem, aparentemente, não era nada. Então posso resumir os outros sete dias.
Já dentro da quitinete, eu, Anna e Márcio não tínhamos uma visão muito ampla de tudo, pois a única janela dava para outro prédio. Então recorremos à televisão. Só deu tempo de ver pouco mais de duas horas de noticiário, e só em um canal – por causa da droga da antena interna de porcaria da TV do Márcio.
O jornal local disse que os mortos estavam literalmente se levantando. No IML, nos cemitérios, em cenas de assassinatos. O apresentador disse várias e várias vezes que aquilo não era uma brincadeira e só acreditamos nas imagens porque já tínhamos visto a confusão na rua.
Antes de a emissora sair do ar, conseguimos ver algumas imagens de pessoas sendo atacadas, de acidentes… Depois entrou aquele aviso escrito, chato, dizendo que o sinal logo seria estabelecido. De lá pra cá, mais nada de TV. Rádio não tinha na casa do Márcio (mas quando pudemos verificar, também estava mudo).
Tentamos falar com os vizinhos, berrando pela janela. Ninguém respondeu - ou todos tinham ido embora ou estavam com medo de responder.
Fato é que ficamos dentro da quitinete por três dias seguidos, de portas fechadas. Todos morrendo de medo. Ouvimos barulhos, vez ou outra, mas permanecemos quietos. Ainda não imaginávamos (ou não queríamos aceitar) que os arredores do prédio, a rua, a cidade inteira estava repleta de mortos-vivos.

Ainda não tínhamos esbarrado com nenhum deles. Mas as sardinhas e pipocas da quitinete do Márcio já tinham acabado. E quase 24 horas sem comer fez a gente se desesperar. Fez a gente sair dali. Foi só então que a gente deu de cara com um zumbi, com um morto-vivo, seja lá que nome posso dar para aquilo…

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Dia 7

Por que começo pelo dia sete e não pelo dia um? Pelas minhas contas, já se passaram sete dias desde que tudo começou.

Eu e mais três amigos, Anna, Márcio e Junior, estávamos fazendo uma bagunça (vou chamar assim para não entrar em detalhes) na casa de um outro amigo, no Lago Sul (como um bairro aqui em Brasília). Passamos a noite e a madrugada bebendo todas com som alto. Não vimos o noticiário nem escutamos a confusão. Só de manhã consegui ouvir o que pareceu ser uma explosão. Subi com Anna e um cara que não conhecia no terceiro andar, na sacada, e de lá conseguimos ver que tinha fumaça saindo de vários lugares em Brasília (de lá dá pra ver grande parte da capital).
Junior não quis ir embora, mas Anna, Márcio e eu pegamos o carro e saímos. O que a gente encontrou no caminho foi inacreditável. Carros batidos, pessoas ensanguentadas por todos os lados, um prédio pegando fogo. Eu quis parar para fotografar, mas o Márcio estava tão desesperado que a gente correu para a quitinete dele, na quadra 412 Sul.

Estou ouvindo barulhos estranhos. Depois volto.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Começo

Você pode muito bem não creditar... Mas os mortos estão andando. Os mortos estão vivos!
Espero que meu relato aqui (você lê o meu passado para ajudar o seu futuro) possa fazer com que as entendam o que está acontecendo...

Ao que parece, finalmente consegui escrever usando a internet. Tudo está um caos e jamais pensei que a energia ainda poderia estar funcionando.
Tudo o que tenho em minha mochila é meu notebook, um iPod, uma máquina fotográfica, minha carteira e um celular que não funciona mais.
Estou na casa de uma pessoa desconhecida e só entrei aqui porque acabei de ver um de meus amigos ser atacado por um morto. Se você não está passando pelo mesmo que eu (agradeço à abrangência da internet), vai ter de ler aqui para entender. E tenho de torcer para que acredite. O morto é um morto-vivo. Foi assim que chamaram no noticiário antes de a TV sair do ar. Ele simplesmente abocanhou a cabeça do Márcio. Nunca vi tanto sangue na vida e nunca corri tanto.

Espero poder continuar escrevendo. Espero me manter vivo.
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