quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Dia 46

Não gosto muito de “mato”. Nem mesmo a Anna. Mas infelizmente tivemos de escolher uma chácara para fugir dos mortos-vivos. Pergunto-me para onde devem ter ido os outros sobreviventes em todo o mundo. Trancados em uma casa qualquer, correndo o risco de ser cercado? Em uma fazenda? Em alguma instalação do governo?

Estou com um lampião aceso. Aqui não tem energia elétrica. Não sei se há em outros lugares com luz. Recebi notícias de Júlio Sardinha, outro sobrevivente que mantém contato, além do Cedric. Espero que possam me dizer que há eletricidade por onde estiverem.

Hoje, durante toda a tarde, eu e Anna fizemos amor. Fizemos sexo. Não sei bem o que é. Mas depois, conversamos sobre os carnívoros lá de fora. Não adianta, eles não saem de nossas cabeças, mesmo quando passam um tempo sem dar as caras.

Ficamos nos perguntando até quando isso pode durar. Se o mundo está realmente infestado de zumbis, algum dia ficaremos livres deles? Um morto-vivo pode morrer de fome? Se a fome por carne é assim tão atroz, hão de sentir falta quando todos já tiverem sido comidos. Torço para que algo assim aconteça. Um corpo precisa de água, comida, energia. Mas e com um zumbi, será que é assim?

Se esses monstros são apenas um acaso, de um supervírus da raiva ou algo parecido, eles hão de cair novamente. Se forem fruto de um arremedo de apocalipse, ou algo parecido, então é mesmo o fim da pior raça que já surgiu nesse planeta. Fico até imaginando se não é melhor assim.

Seria tudo isso uma vingança da natureza? Uma pré-aniquilação da raça para futura invasão alienígena? “Limpamos o terreno e depois entramos?” Desculpem-me, mas dias e dias sozinho me dão o direito de divagar. Divagar, não, ficar doido mesmo. Ninguém vai conseguir responder sobre tudo isso mesmo, então, a questão “mortos-vivos” entra para o hall de perguntas que nunca serão respondidas, como, por exemplo, “de onde viemos” e “para onde vamos”. No caso deles é “de onde eles vieram...”

domingo, 26 de dezembro de 2010

Dias 39 a 45

Um natal com os mortos-vivos. Jamais pensei que diria essa frase.

Não me lembro se contei para onde estávamos indo. Fato é que fiquei dias sem comentar nada aqui. Não sei se por falta de esperança (muitos dos que estavam me acompanhando desapareceram. Não sei se estão vivos. Apenas o Cedric se manifestou recentemente) ou por todo o trabalho que tive aqui na chácara. Sim, eu e Anna acabamos em uma chácara, longe da cidade.

Já chegamos aqui sem energia. Não sabemos se é a região ou se as cidades estão começando a ficar às escuras. Aposto mais na segunda alternativa. Por sorte, a chácara que escolhemos (a de um amigo, no caminho de Brazlândia – o nome é esse, por mais engraçado que seja) tem um vasto estoque de velas e lampiões. As áreas rurais sofrem com a falta de energia nas chuvas e com as queimadas das secas.


Antes de comentar sobre o Natal que tivemos, vem a parte chata. Tivemos de matar sete mortos-vivos que estavam perambulando pelas terras, quando chegamos. Acho que pelo menos uns quatro trabalhavam aqui. Já era fim de tarde e foi apavorante ter de lutar contra aquelas coisas na penumbra. Quando o sol se põe e não há postes de iluminação, o gorgolejo dos zumbis é mais aterrorizante. E por incrível que pareça, todo o corpo parece escuro, menos os olhos. Dois círculos brancos e horrorosos em meio à escuridão.

A chácara é linda, cheia de jardins, mas um pouco descuidada por causa do tempo. São duas casas, uma que era da família e outra de apoio. As duas fotos foram tiradas por Anna (uma do caminho até aqui – quando atropelamos apenas um morto-vivo e verificamos a eficácia dos ferros soldados ao carro – e outra da chácara).


O Natal foi o mais triste que já passamos até hoje. Estivemos longe das pessoas que amamos e, à luz de velas (para poupar a querosene do lampião), comemos comidas enlatadas. Nada de ceia, peru, pernil, passas...

Também passamos a virada ouvindo mais dois zumbis lá fora. Decidimos que não os mataríamos nos dias 24 e 25. Não nesses dias.

Anna foi dormir e estou acordado. Fico pensando se ainda há alguém lá fora. Se há um porto seguro, alguma instalação do governo para refugiados (em filme isso funciona – na vida real eu duvido).

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Dia 38

Nossa saída do shopping foi um tanto quanto assustadora. Resolvemos sair à noite, pois acreditamos que tem sempre menos movimento – embora tenhamos observados que os mortos-vivos não dormem ou descansam (eles podem te seguir por dias, sem parar).

A febre de Anna baixou, mas a cabeça deve ter ficado quente quando saímos. Dentro do shopping não havia quase nenhum zumbi, mas do lado de fora havia vários. Tive de atropelar um bocado deles e isso fez a gente mudar de planos. Ante de nosso próximo destino, resolvemos passar no setor de oficinas de Taguatinga (aqui em Brasília, para quem não conhece, tem setor para tudo, até para motéis).

Lá, fui até a oficina de um amigo de meu pai, o Marcinho (modo de dizer, pois ele tinha uma pança enorme). Foi ele quem me ensinou, no “olhometro”, como se faz soldas grandes. O setor estava meio vazio (de mortos-vivos), então não tivemos problemas em entrar na garagem e fechar a porta. Minha intenção? Soldar todas as barras de ferro possíveis na frente do carro, nas janelas e na frente do para-brisa. Sem isso, atropelar mais alguns carnívoros vai ser problema. Uma hora acaba prejudicando o motor e vai nos deixar na mão.

O trabalho, para quem fez sua primeira solda, ficou ótimo. Feio, mas prático. Eles podem nos cercar e até quebrar os vidros, mas não vão conseguir entrar. O problema é que quase no fim do trabalho fui surpreendido por algo que não esperava. Descendo as escadas de cimento, no fundo da loja (que leva a um segundo andar sem janelas), apareceu Marcinho. Hesitei por alguns segundos, mesmo vendo que seu macacão estava enegrecido de sangue seco e que sua pele estava quase cinza. Não sei se foi impressão, mas ele também pareceu hesitar quando me viu agachado próximo ao para-choque. Como se me reconhecesse.

Mas isso, se realmente aconteceu, durou três segundos. Depois, ele correu como pôde em minha direção, escancarando a boca, ávido por carne, por sangue. Anna se encolheu no canto e esperou que eu tomasse a devida atitude. O que não aconteceu de imediato. Marcinho se jogou em cima de mim com todo o seu peso e chegou a aproximar sua boca putrefata do meu pescoço. E tive muito trabalho para empurrá-lo para longe.

O tiro que dei na cabeça de Marcinho doeu em mim. De verdade. Foi a primeira vez que tive de atirar em alguém conhecido. Talvez por isso não tenha ido procurar parentes. Posso imaginar quantos hesitaram e morreram. Ver o corpo de um amigo, mesmo que distante, tombar na minha frente após um tiro foi penoso. Minha mão tremeu por alguns minutos e não sei o que aconteceria se tivéssemos que enfrentar mais alguns deles naquele instante. Sorte que Anna pegou uma das armas e fez uma “varredura” no andar de cima (tinha me esquecido que a oficina tinha um andar só para peças e bagulhos).

Estamos indo para uma chácara. Não sei o que encontraremos lá, mas me deu na telha que, longe da cidade, podemos estar mais seguros. E por todo o caminho fiquei pensando em Marcinho. E na escada. Se ele subiu e desceu aquilo lá, fico me perguntando o que esses mortos-vivos, antes tão burros, podem fazer...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dia 37

Anna está com febre. Tenho de acreditar que continua sendo a péssima alimentação que nós tivemos nos últimos dias. Não quero perguntar a ela se foi mordida ou arranhada. Tive todo seu corpo nu para ver, mas rastros de mortos-vivos foram as últimas coisas que procurei.

Decidi que não vamos mais ficar aqui. Não depois daquele zumbi, que ficou nos observando. E se algo lá no fundo dos cérebros dessas coisas ainda existir rastros de humanidade? E se, num sábado, eles decidirem se direcionar para cá, como costumavam fazer? Shoppings já eram o próprio inferno nos fins de semana quando todos estavam vivos. Imagine agora, com os mortos.

Vou pedir a Anna que arrume tudo – inclusive toda a comida que conseguimos salvar em meio a tanta coisa estragada. Estamos de saída.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dias 35 e 36

Não pude escrever no último dia. Anna esteve febril e ficou deitada o tempo inteiro. É a primeira vez que acontece isso e fiquei realmente preocupado. Estamos nos alimentando mal, talvez seja isso. Fato é que quis sair para buscar remédios. Ela não deixou. Mesmo porque não sei se teria coragem de deixá-la aqui sozinha, mesmo protegida pelas paredes desse enorme shopping.

O dia de hoje, no entanto, foi interessante. Anna ainda não demonstrou interesse no que eu escrevo, assim, espero que ela não leia este texto em particular. Hoje, logo pela manhã, transamos como loucos. “O quê?”, você deve estar se perguntando... Mas foi exatamente o que aconteceu.

O beijo anterior de Anna provavelmente foi uma afirmação de sua opção sexual ante a tentativa de Karen. Mas depois dessa noite, quando dormimos abraçados (ela tremia de frio graças à febre), alguma coisa mudou.

Quando dei por mim, estávamos derrubando alguns livros de uma estante em um sexo louco que poucas vezes experimentei. Não sei se foi a seca dos dois (mais de um mês sem), se o fato de notarmos que existem poucas opções por aí ou simplesmente porque já deveríamos ter feito tudo isso há muito tempo.

Mas o sexo em si não interessa aos que estão lendo isso. O que veio após o clímax é o que interessa. Após Anna dizer algo como “temos de fazer isso mais vezes”, olhamos para o lado e percebemos que um morto-vivo nos observava, com a cabeça torta. Uma baba bovina e elástica pedia de sua boca – ou daquela pele necrosada que um dia foi um lábio.

Corremos pelados – pode rir, eu sei, a cena é patética –, cada um para o lado. Só então me lembrei que tinha deixado a arma próxima ao local onde dormimos e voltei. Foi quando o zumbi despertou de sua letargia e atacou. O fez berrando um som gutural, horrendo. Há muito não ficava tão nervoso com a arma na mão. Estava sentado, tremendo, com ela na mão, rezando para que pudesse dar um tiro certeiro na cabeça antes que ele me alcançasse. O primeiro pegou no pescoço, mas o segundo foi certeiro, pois ele avançou para cima e praticamente me deu a testa para um tiro a queima roupa.

Acho que por estar sem roupa me senti desprotegido. Mais do que o normal – embora as vestimentas do século 21 não sejam lá nenhuma armadura. Droga... Os miolos do zumbi fizeram questão de estragar essa bela parte da loja – uma que estava começando a me acostumar. Pior, é o primeiro tiro que dei aqui dentro. Terei de torcer para que o barulho não atraia mais deles.

Antes de escrever isto, fiquei matutando... O que aquele morto-vivo estava fazendo? Ele poderia ter atacado e ambos deveríamos estar mortos. Mas ele não avançou. Será que dentro desses cérebros mortos pode haver algo? Eles não falam, não sentem dor e parecem não ser capazes de usar ferramentas ou armas. Mas algo me diz que os cérebros dessas coisas não estão tão mortos assim... 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Dia 34

Não vou poder contar muito, pois estamos tentando organizar um lugar aqui dentro desta loja para passarmos alguns dias. Conseguimos achar alguma comida nos estoques das lanchonetes, pelo menos o que não estava estragado depois deste mês.

Anna está melhor do pé, mas entende que é melhor ficar por aqui.

Não há sinais de mortos-vivos. Pelo menos até onde olhamos. Mas precisamos fazer um pente fino aqui. O shopping é enorme.
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