sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Dia 30

Sei que demorei a escrever e muitos podem ter pensado no pior, mas continuamos vivos. Completamente estarrecidos, mas vivos. Malditos mortos-vivos.

Como contei anteriormente, estávamos na loja de conveniência do posto de combustível do aeroporto. Eu e Anna na sala do fundo, protegida por paredes, uma janela alta e pequena e a porta. Karen na loja, lá na frente, escondida entre as estantes que antes eram dos salgadinhos. Disse que queria ver o nascer do sol e vigiar a possível chegada dos mortos-vivos.

Depois de contar a Anna que possivelmente Karen tinha sido mordida, tive de segurar a boca dela. Anna queria gritar de surpresa – e o faria, se bem a conheço. Ela sabe que logo depois da mordida vem a febre, em seguida a morte e, finalmente, o corpo se levanta. Daquele jeito. Implorei para que ficasse quieta e que procurasse disfarçar quando ela voltasse para a dispensa. Mesmo porque Karen estava com uma das pistolas. Faria bobagem para sobreviver, mesmo que por algumas horas a mais.

Não adiantou falar muito. Assim que Karen abriu a porta, de supetão, Anna soltou um grito abafado. “Se preparem. Tem carnívoro na área”, disse a nissei, e depois voltou para a loja. Acho que interpretou o grito de Anna como apenas um susto comum.

Pedi a Anna que ficasse lá atrás. Fui até a loja com a escopeta na mão e uma pistola na cintura. Conversei com Karen. A coisa era pior do que eu imaginava. Todas as paredes do snackshop eram de vidro e mais ou menos uns 20 zumbis estavam lá fora. Dez deles estavam quase que colados à vidraça, olhando para dentro. E começaram a bater nela e gemer assim que apareci. Não sei se foi o barulho do carro ou o cheiro. Mas eles chegaram lá. E se eu bem conhecia a regra, logo seriam 30. Depois 50.

“Vai lá dentro e ajuda a Anna a guardar tudo nas mochilas. Depois volta que o negócio vai ser feio”, me disse Karen, apontando a arma para o vidro.

Quando eu entrei na sala dos fundos, já não era mais possível ver o carro que estacionamos na frente. Cada centímetro do vidro tinha um morto-vivo batendo. Anna estava nos olhando pela janelinha de vidro da porta, com pavor no rosto - só cabia ele no quadradinho. 

Quando terminei de guardar tudo, olhei novamente pela janelinha da porta, que estava encostada. Um dos vidros rachou, fazendo um barulho agonizante. Vi Karen gritando para que andássemos mais rápido. Foi quando tudo lascou de vez.

Mais um dos enormes vidros que protegiam a loja se rachou com as batidas dos mortos-vivos – o número tinha dobrado – e Anna, assustada, fechou a porta. Mais que isso, a trancou. Karen olhou para trás e correu em nossa direção. Eu nunca vi alguém xingar tanto e com tanta ferocidade. Karen percebeu que fora trancada do lado de fora e que não aguentaria sozinha. E eu, por longos segundos, fiquei paralisado.

Karen me encarou com desespero. Olhos arregalados. Como se dissesse: “Abre isso agora”. Eu vacilei e olhei para o seu braço. Ela acompanhou, olhou para baixo. “Isso aqui é um machucado, idiota! Não vai acontecer nada comigo!”.

Não sei o que me deu, mas eu não dei conta de abrir a porta. Olhei para os vidros que estavam prestes a se romper, olhei para Karen e, acredito, disse com os olhos algo como “sinto muito”. Karen apontou a arma para a porta e tive tempo de pular e de empurrar Anna para o lado, ao mesmo tempo. Ela atirou três vezes, depois chutou a porta com raiva. Nos amaldiçoou, berrou um bocado e o máximo que pude fazer foi se encolher em um canto.

Anna chorou muito com tudo aquilo. E segundos depois ouvimos um dos vidros estourar. Não vimos nada, mas pudemos assistir, em nossas imaginações, um rio de mortos-vivos invadindo a loja. Todos na direção de Karen. Ouvimos um grito abafado. Um choro curto, rápido e também abafado. E um único tiro. Um só.

Prefiro não conjecturar, mas acho que sei o que aconteceu. O que ela fez. Sinto-me culpado, mas também aliviado por não abrir a porta. Provavelmente estaríamos mortos. Só não estamos porque, felizmente, a pequena janela da dispensa, mesmo sendo alta, funcionou como rota de fuga – algo que deveria ter pensado antes, mas fui desleixado, dando apenas sorte.

Anna quase torceu o tornozelo ao saltar daquela altura, mas conseguimos sair pelos fundos e correr. Acho que todos os zumbis da área estavam, naquele instante, tentando entrar na loja, tudo por um pedacinho de carne fresca.

Sei que não é hora de piada, mas perdi uma pistola e uma guerreira para ganhar um carro dos sonhos. Assim que chegamos correndo a uma concessionária multimarcas, fui ao quadro de chaves e peguei uma com uma plaquinha onde estava escrito “Range Rover”. Foi nela que saímos de lá. Um modelo que custa o mesmo que um apartamento.

Estou muito cansado e abalado com tudo, assim, deixo para contar o que vimos perto do aeroporto em outra oportunidade. Por hora, uma dúvida me corrói por dentro. Ela tinha sido mesmo mordida?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas